Demolição ortográfica

Estudiosos de idiomas costumam dizer que a Língua Portuguesa é uma das mais difíceis de se aprender, seja você morador de um País que fala português ou não. Aos 30 anos, confesso que ainda estou tentando aprender um pouco mais sobre nossas regras para se falar e escrever bem. E quando eu começo a pensar que estou no caminho certo… pronto, lá vem a tal da reforma ortográfica para atrapalhar tudo.

Reforma? Que nada, demolição, mesmo. Colocou abaixo anos e anos de estudos e leitura. Onde já se viu ideia sem acento? De repente, a palavra ficou próxima demais do inglês. E o hífen? Daqui a pouco vai dar briga. O trema não era grande coisa, mais tem gente que diz sentir falta daquele “charminho”. E o pára que virou para. Para tudo. Ou para tudo? Alguém consegue ver a diferença?

Semana passada a Academia Brasileira de Letras lançou o novo vocabulário oficial brasileiro. Diferentemente de um dicionário, o léxico reúne apenas as palavras e como elas devem ser grafadas, e não seus significados. São 349.737 vocábulos distribuídos em 887 páginas, além de 1,5 mil estrangeirismos. Tudo isso pela módica quantia de R$ 120,00. E o hífen, de novo? Como um simples tracinho poderia causar tantos problemas?

Os próprios organizadores do “Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa” revelaram que o tal do hífen tirou o sono de muitos. E agora? Agora é voltar a estudar, o que é bom, mas continuar sem entender a razão pela qual estas mudanças foram feitas, apesar das inúmeras justificativas.

A principal delas seria a de facilitar a compreensão entre os países que adotam o português como idioma. Como se as expressões locais, gírias e o sotaque não fossem o suficiente para derrubar essa ideia, sem acento. Basta colocar pessoas de diferentes estados brasileiros em uma sala e esperar para ver. Logo começam a aparecer palavras que são características de uma região.

Apesar de termos até 2012 para concluirmos a demolição, digo, transição ortográfica, ou seja, reaprendermos nosso próprio idioma, eu já tenho buscado algumas alternativas além de sites e dicionários. Minha mais nova obsessão é comprar um bom livro de gramática, até como forma de relembrar algumas lições que há muito já não fazem parte do meu dia a dia (que perdeu o hífen). Infelizmente, a única grande livraria da Cidade (ou seria somente a única livraria da Cidade?) tem poucas opções, zero se levarmos em conta o autor que me foi recomendado.

De repente, entretanto, me bateu uma culpa. Será que eu estou sendo crítica demais com o pobre do acordo ortográfico? Pode até ser. Mas eu não sou a única. Em Portugal, o jornal “Correio da Manhã”, o mais vendido daquele país, encomendou uma pesquisa para saber o que os portugueses estavam achando da reforma: 57,3% são contra, enquanto apenas 30,1% são a favor. Outros 11% não são nem a favor nem contra e 1,6% não têm opinião a respeito.

A pesquisa ainda detectou uma camada rebelde: 66,3% declaram que não vão adotar as novas regras na escrita. A maior porcentagem entre os “resistentes” está na faixa etária de 18 a 29 anos: 65% não querem mudar a forma de escrever. Até abaixo-assinado via internet já estão fazendo.

E, quem diria, no final das contas, que um acordo poderia gerar tanto desacordo. Antônimo, antítese, paradoxo… No final das contas, a demolição é necessária e pode até ser útil ao abrir o espaço para o novo, quer a gente goste ou não.

*Texto publicado originalmente em 24 de março de 2009 em O Diário de Mogi

**Foto: Star Wars – Uma Nova Esperança (Divulgação)

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