Todo ano era a mesma coisa. Bastava julho se aproximar e a gente começava a contar os dias nos dedos. Às vezes passava rápido, em outras, o tempo se arrastava cheio de expectativa. Enfim, férias.
Na minha família, entretanto, essa época tinha um significado ainda mais especial. Era o momento de enfiar a criançada no carro e partir para o Sul de Minas.
A tradição não começou com a gente, mas com meus avós, minha mãe e tias. Muitos anos antes, julho era a época em que elas eram as crianças enfiadas no carro, rumo a Cambuquira. Era o momento de se juntar com a primarada no Hotel Empresa, jogar víspora, buraco. Tomar chá com os funcionários, que já conheciam a família que sempre se hospedava ali.
A rígida gerente alemã fazia vista grossa e abria exceções em nome do carinho que sentia por aquela turma. Viu as meninas virarem moças, os namorados aparecerem, para depois se tornarem maridos. O tempo voou e aquelas crianças que ela havia conhecido tinha, agora, suas próprias crianças.
O tempo, entretanto, não foi gentil e foi preciso mudar. Cambuquira foi trocada por Caxambu.
Ir para Caxambu era um dos momentos mais esperados do ano pela garotada. Mais até do que o Natal. Porque, enquanto o Natal tinha presentes, comida e primarada reunida por apenas uma noite e um dia, Caxambu era quase uma semana inteira.
Dias de brincadeira sem fim, de atenção integral dos pais, tias e tios, avós. Era comer comidas gostosas no café, almoço e jantar. Tomar chá de erva cidreira de tarde, seguindo o aroma que preenchia os corredores do Palace Hotel.
Era ir passear no Parque das Águas levando copinhos de plástico no bolso para beber águas de sabores duvidosos de fonte em fonte. Era escolher um banco para sentar só depois de dar uma volta completa no lago e ver a vó tricotando enquanto a gente ia explorar. Era saber que a gente poderia andar por ali sem medo, ir ao parquinho, se sujar, rir e se divertir.
Porque não importava o quão longe fossemos, conhecíamos o caminho de volta e sabíamos que nossos adultos sempre estariam lá.
A manhã passava tão rápido que logo já era hora de voltar. Se tudo desse certo, o curto trajeto até o hotel poderia ser feito na charretinha puxada por bodes. Conforme crescemos, implorávamos para a charrete ser substituída pelos cavalos e vez ou outra fomos atendidos.
De volta ao Palace, era hora de almoçar.
Nos reuníamos na grande sala, disputando os sofás. Quem chegasse primeiro teria o privilégio de sentar ao lado da vó. Sempre o lugar mais disputado.
Quando a família estivesse completa, lá ia aquela turma grande e barulhenta para o salão. Ali havia outros hóspedes como nós, mas para mim não tinha outro grupo igual.
Cada tarde era um passeio diferente. Cambuquira, Lambari, São Lourenço. Às vezes tinha passeio a cavalo, se conseguíssemos convencer algum adulto. Outras vezes tinha mergulho na piscina, se o tempo permitisse. Mas tinha também jogar bola na quadra, boliche infantil na área das crianças, sair correndo pelos corredores brincando de esconde-esconde, pega-pega ou polícia e ladrão.
Não faltava o que fazer. Tudo era festa.
Até a hora de tomar banho, se arrumar, esperar juntar todo mundo naquela sala, agora com um jazz rolando ao vivo. Disputar o lugar ao lado da vó mais uma vez e ir jantar. Tudo isso para depois voltar a brincar.
O dinheiro da mesada ia quase todo em fichinhas de fliperama. Mais correria, risadas e diversão. Até a hora de dormir, para acordar no dia seguinte com a certeza de que tudo aquilo se repetiria mais uma vez.
Nossos adultos estranham quando dizemos que queremos voltar a Caxambu, ficar no Palace Hotel. Talvez eles não entendam o quanto significava pra gente a liberdade que tínhamos por lá. Uma liberdade única, daquele tipo que não importava nunca o quão longe a gente fosse. Sempre tínhamos para quem voltar.
**Foto: Palace Hotel em Caxambu (Arquivo Pessoal/Amanda de Almeida)
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