Não sou lá uma pessoa religiosa, mas das muitas matérias que tive a oportunidade de fazer nos anos em que trabalhei em jornal, a alvorada durante a Festa do Divino Espírito Santo está entre as minhas favoritas. O Divino, como a gente chama a festa, tem exatamente a mesma programação há mais anos do que se pode contar: missas, quermesse, passeata das bandeiras, Entrada dos Palmitos… E tem a alvorada.
Para os repórteres da cidade, que todo ano têm que cobrir a festa, a grande sacada (e desafio) é buscar histórias inéditas, mas que façam parte deste universo que é sempre igual. E o melhor jeito de se fazer isso é ouvindo as pessoas que estão ali, participando. Sempre tem aquela pessoa que participa há anos, aquela que está ali pela primeira vez. Há aqueles que estão ali para pedir algo, aqueles que estão ali para agradecer.
Por mais que algumas histórias pareçam se repetir, na realidade cada uma delas é única. Acaso do Divino, ou não, as melhores histórias que eu ouvia eram na alvorada. Afinal, acordar de madrugada para caminhar e rezar pelas ruas da cidade às 5 horas da manhã, em uma época que costuma fazer muito frio, é sim uma demonstração de fé.
Hoje, pela primeira vez, participei da alvorada de um jeito diferente. Em vez de entrevistar pessoas, fui com meu compadre, desta vez para fotografar.
Curiosamente, não estava tão frio como em outros anos que participei. Talvez pela renovação dos fiéis, talvez pela crise que o país atravessa, também estava muito mais cheio, não só de pessoas mais velhas que tradicionalmente encontramos nos festejos do Divino, mas também muitos jovens. Me surpreendeu, ainda, reconhecer pessoas que eu já havia entrevistado anos atrás, bem no meio da multidão.
Conforme eu caminhava entre os fiéis, muitos deles vestindo o vermelho – cor que simboliza o fogo, que representa a forma pela qual o Espírito Santo se manifestou aos apóstolos e à Virgem Maria, além de corresponder à fortaleza, um dos sete dons do Divino – eu observava suas expressões compenetradas.
Enquanto eles rezavam, eu lidava com a frustração de não conseguir boas fotos, pensando em como eu precisava estudar mais, muito mais. A limitação da luz, a constante movimentação das pessoas, o tempo limitado para pensar e fotografar… E ainda assim curtir cada momento, sabendo que ele seria único.
Terminada a procissão, as pessoas que formavam uma fila na lateral da Catedral de Santana, prontos para o café servido com pão com mortadela, outra tradição antiga. Afinal, quem tem fé também tem fome. Todos recebidos com gritos de bom dia, palmas e sorrisos, que ora também lembravam que hoje é Dia das Mães.
Este ano não ouvi histórias dos divineiros, mas ainda assim compartilhei um momento importante de suas vidas. Foi uma boa experiência, que eu recomendo a quem tiver a oportunidade de vir a Mogi das Cruzes – e a disposição para acordar cedo, é claro.
**Fotos: Alvorada do Divino (Arquivo pessoal/Amanda de Almeida)