Quem é fã de Roberto Carlos é fã de Roberto Carlos. Não existe argumento, não existe discussão. Ele é o Rei, com toda pompa e majestade. Mesmo quem não é muito chegado em suas músicas, bastou ir a um show que volta em total estado de encantamento. Conheço muitas pessoas assim. Mas a maior fã de Roberto Carlos que eu conheço é a minha mãe.
Imagine só ser criada em um lar onde a devoção a Roberto Carlos é incondicional. Pois é, foi o que aconteceu comigo. E eu sempre soube de algumas histórias dessa relação da minha mãe com seu ídolo. A mais clássica de todas era de um certo trato que minha avó estabeleceu. Se minha mãe passasse de ano na escola, ganharia um disco do Rei. Afinal, seus lançamentos aconteciam sempre em dezembro.
Em um certo domingo de manhã, no entanto, minha mãe contou outras duas histórias que me impressionaram.
A primeira foi quando ela tinha 10 anos. Foi noticiado que o cantor viria a Mogi das Cruzes, na Livroeton, que na época funcionava na Rua Doutor Deodato. Nesta época, ela ficava na casa de seu avô, próximo dali, enquanto os pais estavam no trabalho. E o avô sempre pedia para ela ir buscar alguma coisa na farmácia. Justo neste dia, ele não pediu nada.
Minha mãe ficou aflita porque queria sair de casa de qualquer jeito. Porque, de alguma forma, ela tinha certeza de que, se conseguisse sair, veria o ídolo. Percebendo a aflição da neta, o avô, que sempre foi um verdadeiro cúmplice de minha mãe, pediu que ela fosse comprar um vidro de colônia.
Como um foguete, ela saiu. A tempo de ver um carro passando. E, no banco de trás, lá estava ele, Roberto Carlos. Uma lembrança que permanece viva na memória dela, mais de 40 anos depois.
Apesar de hoje ser cultuado como um Rei, o cantor já teve seus tempos de plebeu. Logo no começo de sua carreira, a música de Roberto era considerada imprópria para as jovens de família. Minha mãe o descobriu pelo rádio, que a empregada deixava ligado enquanto trabalhava. Sempre que ouvia a voz do ídolo, corria para colar a orelha no aparelho.
Alguns anos depois, quando a irmã mais velha fez 15 anos, alguém emprestou um disco de Roberto Carlos. Pronto. Minha mãe ficou em polvorosa. Na hora de colocar o vinil na vitrola, entretanto, ele escorregou de suas mãos e quebrou. Choque total. A sorte é que o aniversário da minha mãe era alguns dias depois. Meus avós, percebendo o estado da filha, deram de presente dinheiro o suficiente para que ela comprasse dois discos. Um para devolver o que havia sido quebrado, outro para ela.
Com os anos, minha mãe cresceu, assim como a obra de seu cantor favorito. As pessoas que amadureceram ao som das músicas do Rei consideram suas composições uma trilha sonora particular, que se encaixa perfeitamente em cada momento de suas vidas. Momentos de rebeldia, o primeiro amor, o casamento, os filhos que chegam, pessoas que partem.
Certa vez, discutindo com uma amiga sobre a obsessão de nossas mães por Roberto Carlos – algo do tipo a minha mãe é mais fã dele do que a sua – ela tentou encerrar a discussão me dizendo: “Minha mãe gosta de Roberto Carlos muito mais que a sua. Duvido que a sua guarde uma pétala das rosas que ele distribui nos shows.” “Não, a minha mãe guarda a rosa inteira.” E ponto final.
*Texto publicado originalmente em 23 de setembro de 2008 em O Diário de Mogi
**Foto tirada por mim de Roberto Carlos em um show de 2014 (Arquivo pessoal/Amanda de Almeida)