Caixa de sapatos

Certa vez, uma amiga minha escreveu que nossas memórias cabiam todas em uma caixa de sapatos. Estranho pensar que, hoje em dia, uma caixa de sapatos faz parte do passado, tornando-se também uma lembrança. As memórias dos dias de hoje são guardadas em CDs, DVDs, pen drives…

A tecnologia, por exemplo, democratizou por completo a fotografia. Hoje em dia, não se precisa nem de uma máquina fotográfica para se registrar um momento. Se você tiver um celular mais ou menos, ele já vem com o dispositivo da câmera. Daí é só escolher se você quer deixar na memória do aparelho ou transferí-la para o computador.

Revelar fotos é coisa de outra era, do século passado. Já era. Basta olhar pelo visor da máquina e você já sabe o que registrou. Não tem mais aquela ansiedade de esperar o filme ser revelado e a foto ampliada. Não tem mais surpresa.

E, cá entre nós, isso tem um lado bom e um lado ruim. O bom é que é tudo mais rápido, é possível economizar, já que você tira fotos e as grava na memória do computador. As lembranças estão lá, ocupando um espaço mínimo. E quando você precisar abrir espaço, é só colocá-las em um CD ou DVD…

O lado ruim é que você esquece.

E para que servem as lembranças se vamos esquecê-las em algum lugar inacessível?

Tudo bem que a fotografia se tornou uma arte mais democrática, etc e tal. Mas eu não estou pensando somente nas fotografias. Penso na memória em geral.

Quando uma lembrança deixa de nos ser útil, é só apertar um botão e pronto. Delete. Apagado. É como se nunca tivesse existido.

E, de repente, é a isso que nos reduzimos. Lembranças apagáveis. Por um descuido ou por querer, lá se foi toda uma história.

O mais engraçado é que isso é apenas mais um sintoma da evolução humana, que nos torna cada vez menos evoluídos. Nos tornamos seres descartáveis, cercados por coisas descartáveis. Tudo o que somos e fazemos pode ser esquecido num clique.

O mais engraçado é que ainda assim somos levados a acreditar que o mundo ficou mais próximo por conta da internet. Não é mais necessário ir a determinado lugar se você pode conhecê-lo virtualmente, por meio de uma câmera ao vivo.

As páginas de relacionamentos também são outra enganação. Você encontra pessoas que fizeram parte de sua vida em determinado momento, as inclui em seu rol de amizades e finge que ainda são próximos. Quando, na verdade, cada um já seguiu com a sua vida e a única coisa que têm em comum é o passado.

Essas ideias podem parecer amargas, mas é a verdade. Prefiro acreditar que todas as histórias tenham um começo, meio e fim. Quando elas terminam, não adianta querer retomá-las. O que pode acontecer é se criar uma nova história. Afinal, tirando O Poderoso Chefão e O Senhor dos Anéis, sequências são horríveis. Tudo bem, no caso de O Poderoso Chefão somente o segundo é bom, o terceiro é péssimo. O que comprova a teoria.

Minha tia C. é um exemplo neste sentido. Ela nunca olha para trás. Prefere sempre olhar para frente, planejar o próximo passo que vai dar, a próxima viagem que vai fazer. Ela guarda suas lembranças, sim, mas duvido que seja em arquivos virtuais ou em caixas de sapatos.

*Texto publicado originalmente em 02 de fevereiro de 2010 em O Diário de Mogi

**Foto: Uma caixa que chegou pelo correio (Arquivo pessoal/Amanda de Almeida)

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