-Vocês ergam as mãos pro céu! O dia em que eu parar de comer, vocês podem ficar preocupados.
Essa era sua resposta-padrão sempre que as filhas, genros e netos pegavam no seu pé ao ver seu prato favorito: o cheio. É claro que algumas comidas reforçavam ainda mais a sua predileção. Era o caso de uma bela feijoada – com direito ao rabo do porco, que entrava na lista de ingredientes apenas para satisfazer o paladar mineiro da matriarca. E doces. Qualquer um.
Aqueles docinhos de festa, entretanto, tinham lugar cativo em sua boca. Ainda hoje, toda vez que vejo um olho de sogra, um de seus favoritos, escuto a voz dela no canto da minha mente batendo a mão no peito e dizendo: “Nunca fui sogra, sempre fui mãe dos meus genros”. Ao que eu respondo mentalmente: dos genros e de todos nós.
Quando seus pratos começaram a diminuir, foi a deixa para percebermos que algo estava errado. Pouco depois do seu aniversário de 90 anos, seu enorme coração resolveu nos pregar uma peça. Foi difícil acreditar que nosso alicerce estava perdendo as forças.
Teimosa, ela decidiu lutar. Lá fomos nós para o lado dela no campo de batalha do dia a dia carregado de limitações e frustrações. Da nossa parte, só queríamos um pouco mais de tempo com ela.
Foi um ano difícil. Todo dia era uma despedida, o prato ficando cada vez mais vazio.
Quando ela deixou de comer e precisou ser alimentada por uma sonda, nós já sabíamos. Ela também. Em sua última tarde em casa, coloquei minha cabeça no seu colo e ela acariciou meu cabelo, como fazia quando eu era criança. No dia seguinte, a deixamos ir.
*Texto escrito para o Curso de Escrita Criativa e Afetuosa, de Ana Holanda
**Foto: (Arquivo pessoal/Amanda de Almeida)