Lembranças são como uma colcha de retalhos. O medo do escuro que você sentia quando era criança. Seu brinquedo favorito, e também aquele que nunca ganhou. As colegas de classe que te isolavam porque você preferia brincar com os meninos. A goiabeira no pátio da escola que você gostava de subir. As maria chiquinhas que você detestava porque repuxavam seu cabelo. O pente fino que sua mãe passava no seu cabelo para tentar desembaraça-lo. A professora que você amava, porque ela era gentil – apesar de você não saber o significado da palavra gentileza.
As viagens de julho para Minas, com a família toda reunida. Todas as vezes que você correu pelos corredores do Palace Hotel. Todas as vezes que você quis ir andar a cavalo, mas seus pais não deixaram. Cada mesada gasta em fichas de pinball. Cada volta ao redor do lago do Parque das Águas. Cada balanço na rede abraçada com a vó. As espadas de madeira que seu vô fazia, para que você pudesse travar suas batalhas imaginárias e ser sua própria salvadora.
O dia em que você tirou as rodinhas da bicicleta, porque sentiu que já estava na hora. Cada fita de vídeo que sua avó alugou, e mesmo que você não tenha assistido a maioria daqueles filmes na época, você se lembra das fichinhas de papel na locadora. Todos os filmes de ação com Clint Eastwood, Chuck Norris e Charles Bronson do seu avô. E todas as vezes que você assistiu a Curtindo a Vida Adoidado, Goonies e Star Wars – e continua assistindo até hoje.
O primeiro livro que você leu sozinha – e todos os outros que leu desde então. Cada página virada, ansiosa para saber o que aconteceria a seguir. E a melancolia de chegar ao fim de uma história, substituída pela euforia de começar uma nova. Todos os personagens que conheceu, e depois teve que se despedir.
Cada palavra nova que você aprendeu. Cada significado que você procurou no dicionário. Todas as vezes que você entrou em uma sala de cinema e sentiu o coração bater mais forte quando as luzes se apagavam e a projeção começava. O quanto você chorou quando seus pais não deixaram você ir assistir La Bamba no cinema, e mais ainda todas as vezes que assistiu ao filme, mesmo sabendo como ele termina.
Cada nó na garganta. Cada suspiro de alívio. Cada decepção, cada vitória. Todas as vezes que você teve vontade de desistir, e desistiu. Ou desistiu de desistir e seguiu em frente, por pura teimosia.
Todos os lugares para onde você sonhou viajar. Cada lugar que você teve a chance de visitar. Cada música que você ouviu, cada show que assistiu. Cada pessoa que você conheceu, cada história que escutou – e também todas aquelas que ajudou a contar.
Todas as vezes que você se machucou. Todas as vezes que sua vó falou “quando casar, sara”, “muito riso, sinal de pouco siso”ou “tudo que merece ser feito, merece ser bem feito”. A saudade que você sente dela todos os dias.
Cada emoção que sentiu, cada livro que leu. Cada filme, cada disco, cada caderno pronto para ser preenchido. Cada pessoa que você amou ou com quem conviveu por alguns minutos. Cada aprendizado. Cada ensinamento que você passou adiante.
Cada lembrança cultivada cuidadosamente, como se fosse seu bem mais precioso – porque realmente é. E todas aquelas que não couberam aqui, mas ocupam cada canto do seu cérebro.
Esse texto é uma colcha de retalhos. São memórias costuradas, mas que fazem parte de quem as viveu. Cada pessoa irá encontrar um significado nelas, ou nenhum. Colocá-las no papel trouxe um quentinho no coração em um dia qualquer de inverno.
Quais lembranças te aquecem?
**Foto: Parque das Águas em Caxambu – MG (Arquivo Pessoal/Amanda de Almeida)