“O gato bebe leite, o rato come queijo…” Se você for assistir ao longa-metragem “O Palhaço”, com Selton Mello e Paulo José, provavelmente descobrirá o final desta frase. Outro dia, vi uma entrevista com a dupla de atores no programa de Marília Gabriela e tive ainda mais certeza de que o filme era imperdível.
Escrito, dirigido e protagonizado por Selton Mello, “O Palhaço” gira em torno de Benjamin (Selton Mello), que trabalha no Circo Esperança junto com seu pai, Waldemar (Paulo José). Juntos, eles formam a dupla de palhaços Pangaré & Puro Sangue e fazem a alegria da plateia.
Fora do picadeiro, entretanto, a vida anda sem graça para Benjamin, que passa por uma crise existencial e assim, volta e meia, pensa em abandonar Lola (Giselle Mota), a mulher que cospe fogo, os irmãos Lorotta (Alamo Facó e Hossen Minussi), Dona Zaira (Teuda Bara) e o resto dos amigos da trupe.
Todos lamentam o que está acontecendo com Benjamin, mas entendem que ele precisa encontrar seu caminho, a sua identidade. E quando se fala em identidade, aqui, não é só o seu lugar no mundo, mas também a carteira de identidade – já que tudo o que ele tem que comprova sua existência é a certidão de nascimento -, CPF e comprovante de residência.
Comprovante de residência para uma artista circense?
Em cena, a gente percebe a identidade e o talento de cada um dos atores do elenco – inclusive as ótimas participações especiais que causam riso antes mesmo de abrir a boca. Mas, não se engane. “O Palhaço” não é uma simples comédia. Tem uma boa dose de drama, também.
É o tipo de drama que quase todo mundo enfrente em algum momento da vida: o de se questionar se está realmente fazendo a coisa certa, vivendo do jeito que quer, trabalhando com o que gosta. Até porque, diz a sabedoria popular, que quando a gente ama o nosso trabalho, a gente não sente que aquilo é trabalho, mas um grande prazer.***
Neste filme, por exemplo, a gente não vê Paulo José ou Selton Mello trabalhando. A gente vê eles se divertindo, aproveitando cada momento da companhia um do outro. E o mais surpreendente é lembrar que Paulo José sobre de Parkinson. Se na entrevista concedida a Marília Gabriela ele permitiu que suas limitações aparecessem, o mesmo não acontece no filme. As limitações e fragilidades do ator se confundem com as limitações e fragilidades do personagem.
Já Selton Mello é outro destaque à parte.
Provavelmente é um dos artistas mais completos do Brasil na atualidade. É um grande ator e, como este filme, provou que também é um grande roteirista, idealizador e diretor. É, também, um grande comediante. Afinal, ter o tempo certo para causar riso nos outros é uma grande arte, quase uma ciência. E não é só porque um palhaço faz rir em cena que ele é engraçado no dia a dia.
Um dos maiores palhaços que o Brasil já teve (que na vida real também se chamava Waldemar, como o personagem de Paulo José), Arrelia – ou Waldemar Seyssel – não era engraçado. Não queria ser palhaço, como era tradição em sua família. Tanto que foi estudar Direito.
Mas, é a velha história: assim como o gato bebe leite e o rato come queijo…
*Texto publicado originalmente em 08 de novembro de 2011 em O Diário de Mogi
**Foto: Filme O Palhaço (Divulgação)
***Comentário da autora em 2023: O que é uma baita mentira, trabalho é trabalho, descanso é descanso, prazer é prazer. Gostar do trabalho é ok, mas cada coisa no seu quadrado.