Coisas da infância

Dia desses, no supermercado, lá estava ele. Em uma gôndola, o achocolatado mais legal (e gostoso) que a minha geração já conheceu. Brown Cow não era um simples achocolatado, era uma daquelas coisas que, de tão gostosas, era preciso se comportar muito bem para merecer que sua mãe comprasse. Diferente dos demais produtos, ele era líquido, parecendo uma calda. Tudo em que a gente colocasse, ficava bom. Era tão bom que até puro era uma delícia.

Com o tempo, o achocolatado sumiu das prateleiras e de nossas vidas. E agora está de volta (como o próprio rótulo diz). O susto ao reencontrar este velho companheiro de infância foi tão grande, que tirei uma foto com o meu celular e postei na internet. Imagine só o paradoxo: a tecnologia do celular 3G diante de um achocolatado dos anos 80.

Por alguns segundos, fiquei olhando a embalagem tendo de tomar uma difícil decisão: pegar um e trazer para casa, em uma tentativa de reviver o sabor da infância ou deixá-lo ali, na gôndola, preservando a memória do que foi um dia. Fiquei com a segunda opção.

Lá no fundo eu sabia que o sabor não seria o mesmo. Pelo menos não para mim. Misturar o achocolatado ao leite não iria trazer de volta as férias de julho em que meus primos vinham de Bragança Paulista para ficar na casa da minha avó, que comprava várias coisas gostosas para o café. E como a gente brincava (e brigava), e dava risada e se divertia demais com as fitas de vídeo alugadas na Livroeton.

Na internet, não demorou muito para que os amigos fizessem seus comentários. Todos reagiram da mesma maneira diante do retorno do achocolatado: encantados. Aqueles que compraram, se dividiram entre os que achavam que o sabor era o mesmo da infância e aqueles que achavam que não era mais a mesma coisa.

Não sentir o mesmo sabor que ficou guardado na memória é perfeitamente compreensível. É incrível essa capacidade que temos de lembrarmos das coisas de uma maneira melhor do que realmente eram. Especialmente se as lembranças vêm da infância.

As pessoas sempre acham que a sua infância foi melhor que a dos outros. Ainda mais se estes outros são de gerações diferentes. Os adultos sempre dizem que as crianças de hoje em dia não estão tendo infância, porque todos os brinquedos são eletrônicos, eles não têm a oportunidade de brincar na rua, a violência é muito grande…

Pode ser que eles não tenham a oportunidade de fazer o que nós, adultos, fizemos na nossa infância. Tudo bem. Eles estão vivendo a infância deles, com o que essa época oferece de bacana. E tem muita coisa legal. Só é diferente.

Brincar é aprender, é reproduzir comportamentos que as crianças veem os adultos tendo. É prepará-los para o futuro. Houve uma época em que brincávamos de escolinha, escritório, casinha. O brincar de hoje em dia prepara as crianças para um futuro repleto de tecnologia.

As lembranças deles certamente serão muito diferentes das nossas. Assim como as nossas são diferentes das de nossos pais e avós. E, por mais diferentes que sejam as lembranças da infância de cada geração, uma coisa todos nós temos em comum: aquela saudade danada de um tempo em que as coisas pareciam mais simples, gostosas e legais.

*Texto escrito e publicado originalmente em 26 de julho de 2011 em A Complexa Arte de Ser Mulher

**Foto: Brown Com original (Reprodução)

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