Quando eu era criança e estava na escola, ficava inconformada quando ia bem numa prova. Chegava em casa e contava que havia tirado dez. A resposta sempre era: “Não fez mais do que a obrigação”. E isso me desanimava completamente. Eu não conseguia entender porque todas as vezes que eu tirava uma nota alta tinha de ouvir o mesmo comentário, enquanto nas raras vezes em que eu ia mal, tomava uma bronca. “Como pode tirar uma nota vermelha? Sua única obrigação na vida é estudar”.
Depois de adulta descobri que não era a única a ouvir isso em casa. Afinal, dizem por aí que família é tudo igual, só muda o nome e o endereço. Foi então que percebi que estar consciente de que acertar não passa de uma obrigação é fundamental para nossa sobrevivência.
A realidade é dura. É muito mais fácil as pessoas se lembrarem de nós por nossos erros do que por nossos acertos, mesmo que estes últimos sejam maioria em nossa existência. Certa vez, conversando com uma amiga, tentei convencê-la de que, por mais que as pessoas tentem nos condenar por um erro, era preciso lembrar que errar é humano. Somos todos seres falíveis, apesar de “ninguém olhar o próprio rabo”. E mais, que o que nos definia eram os nossos acertos, e não os nossos erros. Mas, como ela mesma disse, é fácil falar. Difícil mesmo é se colocar no lugar do outro.
Há alguns dias recebi um discurso feito por Steve Jobs aos formandos da Universidade de Stanford, Estados Unidos, em 12 de junho de 2005. Para quem não está familiarizado com o nome, Jobs foi o criador da empresa Apple e do estúdio de animação Pixar, responsável pela produção de desenhos como “Toy Story”, “Vida de Inseto”, “Monstros S/A” e “Procurando Nemo”, entre outros.
Pois bem. Ele conta três histórias sobre sua vida, sobre erros e acertos. A primeira foi como sua mãe biológica queria que ele fosse adotado por um casal com diploma universitário. Estava tudo certo até o casal concluir que preferia uma menina. Ele foi parar nas mãos de uma mulher que nunca fez faculdade e de um homem que mal terminou o Ensino Médio.
Ainda assim, Steve Jobs chegou à universidade, que largou seis meses depois. Foi quando ele deixou de cursar as disciplinas obrigatórias para aprender sobre o que realmente gostava, ou seja, fontes e estilos gráficos em aulas de caligrafia. Isso foi aplicado nos programas de edição de texto dos computadores da Apple e copiados pelo sistema Windows.
A segunda foi sobre como, antes dos 30 anos, ele havia criado um império dos computadores e, de repente, foi demitido pelo conselho diretor da empresa, quando os negócios não iam mais tão bem. Foi no recomeço que ele se viu obrigado a fundar novas empresas, entre elas a Pixar. E hoje, ele vê que nada disso teria acontecido se ele não tivesse sido demitido.
A terceira história é sobre a morte. De como ele foi diagnosticado com um tipo de câncer incurável. O médico recomendou que ele resolvesse seus negócios, se despedisse das pessoas que gostava. No momento da biópsia, entretanto, ele descobriu que portava um tipo raro e curável. E agora ele está bem. E foi aí que ele entendeu que o nosso tempo de vida é limitado e que não vale a pena desperdiçá-lo vivendo os sonhos e regras dos outros.
E, no final, eu vejo por isso tudo que nem sempre acertamos. Mas, muitas vezes, quando somos capazes de olhar para trás e “ligar os pontos”, como disse Steve Jobs, tudo faz sentido. Até mesmo os nossos erros.
*Texto publicado originalmente em 25 de novembro de 2008 em O Diário de Mogi
**Foto: Steve Jobs (Divulgação/Stanford News/L.A. Cicero)