Tenho mais cadernos (e livros) que amigos. Sempre que me apresento para alguém, gosto de contar essa curiosidade. Por dois motivos. O primeiro é que acredito que diz muito sobre mim em poucas palavras. O segundo é que pode servir de gancho para que a conversa continue.
Geralmente dá certo, porque a pergunta que se segue é: o que você quer dizer com mais cadernos do que amigos? Bem, eu tenho sido a doida da papelaria antes mesmo de ter sido alfabetizada. Desde muito cedo tive livre acesso a papeis, canetinhas, tintas e afins.
Perdi as contas de quantos natais minha mãe deu a mim e ao meu irmão maletas ou pastas plásticas com cadernos de desenho, cola, lápis de cor… Um convite a brincarmos com nossa imaginação e a criar um mundo melhor do que qualquer brinquedo. Era e ainda é o meu presente favorito na vida.
Quando comecei a ganhar algum dinheiro fazendo pequenas tarefas, vendendo jornal ou com a mesada, não foi para balas ou figurinhas. Ele era gasto, quase que religiosamente, na Paratodos, Urupema ou Kosmos, papelarias que hoje só existem na lembrança de quem as conheceu.
Mesmo adulta, ainda tenho uma relação afetiva com bazares e papelarias. Ali, sempre encontro paz entre caixas de lápis coloridos, giz de cera e canetas de toda a cor e sorte. E, obviamente, cadernos. Ser jornalista, gostar de estudar e escrever sempre me pareceram as desculpas perfeitas para tê-los aos montes.
Ao mesmo tempo que sei que meus cadernos estão sempre ali para mim, em momentos de inspiração ou desabafo, confesso que nos últimos anos as folhas em branco têm me assombrado um pouco. Notar que elas estão em algum canto, à minha espera, pode ser um consolo, mas também um desconforto.
Olhar para meus cadernos empilhados é um lembrete constante das promessas que faço a mim mesma, de dedicar tempo à escrita, de reencontrar meu amor pelas palavras, de viver minha recém-descoberta missão pessoal de contar histórias que iluminem e aqueçam.
Me encontrar diante das folhas em branco é ter de lidar com um espelho para o qual nem sempre quero olhar. É saber que a minha crítica interna pode surgir a qualquer momento com seus raios e trovões, no que deveria ser um lindo dia de sol e céu azul.
Enquanto pensava em como concluir esse texto, me ocorreu que minha crítica interna só tem poder porque eu permito. E que, talvez, a melhor maneira de enfraquecê-la seja não só ocupando as folhas em branco às quais pertenço, mas principalmente tirando as palavras do papel e colocando-as no mundo.
É assim que esse texto chega a você.
*Texto escrito para o Clube de Escrita Criativa e Afetuosa, de Ana Holanda
**Foto: Entre cadernos novos e usados (Arquivo Pessoal/Amanda de Almeida)